Recentemente, um importante e intrigante estudo realizado por pesquisadores chineses e europeus revelou novas descobertas sobre a origem e evolução das algas verdes, organismos microscópicos extremamente importantes para a existência de vida complexa na Terra.
Através da análise de fósseis excepcionalmente preservados encontrados na China, datados em mais de 100 milhões de anos atrás, foi possível reconstruir e elucidar detalhes sobre a árvore genealógica desse grupo crucial, preenchendo uma significativa lacuna no conhecimento da paleontologia.
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Fósseis de algas microscópicas encontrados na China
Os fosseis estudados foram descobertos por pesquisadores chineses na década passada, em sedimentos de rochas da Formação Doushantuo, localizada na província de Guizhou, no sul da China. Essa formação geológica é conhecida por conter camadas de rochas propícias à fossilização e preservação de organismos microscópicos antigos.
Após rigorosas datações radiométricas, confirmou-se que os fósseis possuem impressionantes 100 milhões de anos, originados no período Cretáceo Inferior, quando dinossauros gigantes ainda dominavam a Terra.
A qualidade de preservação dos minusculos espécimes é extraordinária, revelando em detalhes íntegros suas características físicas únicas, como estruturas celulares e de tecidos. “Ficamos maravilhados com o nível de preservação, permitindo uma resolução sem precedentes para observar a morfologia e anatomia destas antigas algas verdes”, declarou o paleontólogo Li Jun, da Universidade de Nanquim, um dos coautores do novo estudo.
Estudo reconstrói árvore genealógica das algas verdes
A partir desses espécimes tão bem preservados, o grupo de cientistas chineses e europeus empreendeu uma investigação ampla e meticulosa, combinando análises morfológicas dos fósseis com estudos moleculares do seu genoma. Eles compararam essas características antigas com diversos grupos de algas verdes existentes na atualidade, representando linhagens que se separaram e divergiram ao longo de centenas de milhões de anos de evolução.
Essa abordagem inovadora permitiu reconstruir com muito mais detalhes e precisão a árvore genealógica das algas verdes, revelando que os novos fósseis representam uma linhagem distinta e independente, que se separou bastante cedo das demais linhagens que foram prosperar e originar as algas conhecidas. “Nossas análises confirmam que esses fósseis pertencem a um grupo irmão de todas as algas verdes atuais, divergindo logo no começo da história evolutiva do grupo. Isso preenche uma grande lacuna do período inicial de 100 milhões de anos que ainda era desconhecido”, explicou a bióloga molecular Dra. Marta Trevini, da Universidade de Cambridge, coautora do estudo.
Além disso, as revelações permitem vislumbrar detalhes fascinantes de como essas formas primitivas de algas verdes se adaptaram ao ambiente da época, prosperando e se diversificando em uma Terra extremamente diferente da atual. “Encontramos pistas importantes sobre as adaptações morfológicas e genéticas que permitiram a esses organismos microscópicos sobreviver e se espalhar em ambientes pouco hospitalarios mais de 100 milhões de anos atrás”, salientou Trevini.
Importância da descoberta para compreender a evolução da vida
As algas verdes têm um papel absolutamente fundamental para a existência de vida complexa na Terra, sendo os organismos responsáveis por produzir a grande maioria do oxigênio atmosférico que todos os animais respiram através do processo de fotossíntese. Elas formam a base de cadeias alimentares inteiras em diversos ecossistemas marinhos e terrestres, além de serem precursoras evolutivas de plantas terrestres.
Portanto, desvendar os mistérios da origem e evolução inicial desse grupo central para a biosfera é de grande importância científica e prática. “Nosso estudo ajuda a elucidar e esclarecer processos evolutivos cruciais que permitiram o desenvolvimento da vida complexa e do ambiente como conhecemos hoje. Preencher essas lacunas no passado profundo das algas verdes nos possibilita compreender melhor nossa própria existência no planeta”, enfatizou o professor Li Jun.
Apesar das revelações, ainda restam muitas perguntas em aberto e os cientistas enfatizam que mais pesquisas serão necessárias para completar o intrigante quebra-cabeça sobre a ancestralidade dessas algas primordiais. “Nosso conhecimento ainda está longe de ser completo. Esperamos que mais escavações e descobertas de fósseis antigos, aliados a análises genômicas, possam trazer novas peças para elucidar a notável história evolutiva das algas verdes”, projeta Trevini.
Os desafios de estudar fósseis tão antigos
Os fósseis estudados neste trabalho apresentam uma idade extremamente avançada, remontando a mais de 100 milhões de anos atrás em uma era onde os continentes, clima e vida na Terra eram marcadamente diferentes dos dias atuais. Encontrar e datar com precisão fósseis de micro-organismos tão antigos, ainda mais apresentando um nível de detalhe celular íntegro, é uma tarefa extraordinária que depende de uma combinação de sorte, dedicação e tecnologia de ponta.
“A preservação de fósseis completos, sem deformações e mostrando estruturas microscópicas é algo extremamente raro para exemplares tão antigos de organismos minúsculos e frágeis. Foi preciso uma convergência perfeita de fatores químicos e físicos naquele ambiente há 100 milhões de anos para fossilizar esses organismos microscópicos sem danificar suas células”, explica o paleontólogo Li Jun.
Depois da sorte inicial na escavação, foi necessário um árduo trabalho de datação radiométrica, soma as tecnologias avançadas de microscopia eletrônica, espectrometria de massa e análises moleculares do DNA para extrair e interpretar corretamente os dados contidos nesses frágeis fósseis.
“Fizemos uso de todo o arsenal tecnológico moderno para desvendar os segredos desses fósseis raros. O próprio processo de análise molecular de DNA antigo ainda está na infância e apresenta imensos desafios. Mas os resultados compensaram o enorme trabalho”, destacou Trevini.
Por fim, integrar todas essas análises de ponta em um contexto coerente com os conhecimentos prévios da paleontologia e da evolução molecular exigiu grande criatividade e profundo conhecimento multidisciplinar do grupo de cientistas. “Foi fascinante conectar os pontos entre a morfologia dos fósseis, o DNA antigo e o cenário mais amplo da evolução das algas. Um quebra-cabeça complexo, mas que no final das contas revelou segredos maravilhosos do passado distante da Terra”, concluiu Li Jun.
O que ainda podemos aprender com esses organismos primitivos
Os fósseis de algas verdes pioneiras analisados nesse estudo inovador ainda guardam muitas revelações e potencial para futuros trabalhos de investigação científica. Segundo os pesquisadores, as descobertas apresentadas são apenas a ponta do iceberg.
Há excelentes possibilidades de os fósseis elucidarem novos detalhes sobre fatores e processos que permitiram o surgimento e evolução de outros grupos cruciais, como plantas terrestres e animais multicelulares. “Esperamos que análises futuras dos fósseis possam revelar pistas sobre adaptações moleculares ou metabólicas que permitiram o grande salto evolutivo para organismos mais complexos”, disse Trevini.
Outra linha de investigação promissora é o estudo das estratégias e soluções evolutivas que permitiram a essas algas microbianas prosperarem e se diversificarem em ambientes terrestres muito antigos e frequentemente hostis. “Esses organismos minúsculos dominaram ecossistemas extremos na Terra primitiva durante eras. Entender essas notáveis capacidades de adaptação e resiliência pode ser a chave para soluções ambientais mais sustentáveis no futuro”, pontuou o paleontólogo Li Jun.
Assim, as descobertas apresentadas pelo grupo de cientistas chineses e europeus abrem as portas para desvendar os fascinantes mistérios da vida primordial na Terra. Ampliam o entendimento sobre processos evolutivos que moldaram a história profunda do planeta e ainda podem ecoar até os dias de hoje e amanhã. Nas palavras inspiradoras do renomado naturalista E.O. Wilson: “Desenterrar essas extraordinárias histórias do passado distante não é mera descoberta esotérica. É reencontrar a essência de nossa própria humanidade”.
Referência
Armin Dadras et al, Environmental gradients reveal stress hubs pre-dating plant terrestrialization, Nature Plants (2023). DOI: 10.1038/s41477-023-01491-0